terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

PERDA

As pessoas ficam na nossa memória. Salvaguardadas na memória. Desenhadas para sempre na saudade.

Nunca morrem.

Mas há uma tristeza latente e perigosa em perder o amor e o toque daqueles que amamos. Haverá sempre um perigo iminente relacionado com a perda de alguém que nos é amor.

Porque as pessoas morrem. E desaparecem do limiar das nossas vidas. Da facilidade de apanharmos cinco minutos de viagem para estar com. Desaparecem da facilidade que temos em pegar no telemóvel e ligar. Da facilidade que é saber que se não é hoje será amanhã. Que será sempre fácil curar a saudade de estar e ser com alguém. Da facilidade com que dizemos adeus. Porque sabemos que haverá amanhã. Porque é fácil estar em paz sem vaguear no pensamento a ideia de que não teremos mais esta ou aquela pessoa. Da facilidade que temos de dizer a alguém que tínhamos saudades. Da impossibilidade de caber no sentimento a certeza de que teremos sempre quem amamos com a maior facilidade do mundo.

Mas não é verdade.
Porque as pessoas morrem.
E a facilidade passa a impossibilidade.
E a possibilidade passa a ser desgovernada. E a dor passa a ser o porquê. O perigo passa a morar no como e no quem somos.

Passar por um processo de perda nunca será descrito e explicado o suficiente. Transforma os interstícios e mexe naquilo que somos. Na maneira como amamos. O que somos passa a ser o que der. Passa a viver como der. Há dias com tudo: porque passamos a ser almas partidas. Nunca seremos o totalmente, porque no final da alegria e da esperança estará sempre a falta. O vazio que devia ser o cheio de alguém. A saudade a esmagar o sangue. Há dias para tudo: porque passamos a amar totalmente.

Almas.
Quebradas.
Com o amor do tamanho do que está para além do possível.

Passamos a ser incompletos para saber o que é verdadeiramente ser completo.

Quem passa por um processo de perda tenta amarrar e juntar aquilo que consegue. Para encher a torneira de vida. Para tornar a vida um bocadinho mais fácil de aguentar. Para buscar naquilo no somos e no amor de quem gostamos a força que se tem de ter para ver quem amamos de olhos fechados. Para amarmos quem já cá não está com mais intensidade. Para não deixarmos fugir o que a vida nos levou. Será sempre mais difícil, sofreremos eternamente numa felicidade que nos deixa chegar à sua própria utopia.

A perda é dura.
O luto é a certeza da morte.
E a dor a sua máscara.

Mas o ser humano é filho da mãe que chegue para ser mais que isso. Para o ser. Porque o é. Porque irá doer sempre, sem proporção. Mas resiliente o suficiente para não baixar as armas. Para ter a certeza que a perda de alguém se transforma num caminho de superação. Num despertar para a vida. Prontos e sempre a postos para ser Paz. E Coragem. E Vitória. Num despertar para não entregar à vida de bandeja quem somos. Para enchermos as gavetas de memórias. Para transbordar o mundo e os outros e nos encontrarmos felizes por compensar as faltas. Encontraremos sempre alguém que nos encha o coração um bocadinho mais. Momentos que nos deixarão aliviados por haver respiração e superação.

Há felicidade em morar na perda. Conseguimos amar quem foi e levou connosco o que andamos a vida toda à procura.

As pessoas ficam sempre na nossa memória. Salvaguardadas na memória. Desenhadas para sempre na saudade.

(Nunca morrem,
Passamos a vida a não deixá-las morrer.)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Falar do que não sabemos

Falar do que não sabemos. Como?
Às vezes pergunto como falar daquilo que não sei. Dos silêncios que incorporam os ruídos mais tenebrosos da minha vida. Dá-mos por nós a viver a nossa vida. Mas eu não estou a viver a minha vida, mas aí já começo a falar do que não sei. Falaremos alguma vez de certezas? Do nós íntegro que se conhece. Do eu que sabe quais as gavetas abrir e aquelas que de tão fechadas já esqueceram que têm chaves. Pergunto-me tantas vezes se é isto que quero. Dou por mim a questionar cada passo da vida que dei. Canto com amor que amo o que sou e declaro poemas daquilo que serei, mas o eu é tão difícil de encontrar. Passamos a vida a tentar escavar o que somos para descobrir que para além da poeira somos muito mais que um buraco para abrir. Somos muito mais que um livro. Não temos fim. Somos páginas. Imensas. Ínfimas. Transparentes. Infinitas. Que sobrevoam todos os dias as miragens dos nossos desejos. Que procuram. Que se perdem. Que fingem. Que de vez em quando são e se sentem felizes. Que, de tão de vez em quando, sabem quando estão a ser felizes. Pergunto muitas vezes ao espelho que não ouve o que vê de mim. Verdadeiramente. O que olha quando sou eu. Sei sem dúvidas de que há tanta dúvida. Tanta pergunta. Que não me encontro plena. Que sempre que me abraço sinto falto de mais alguma coisa. Que não sou completa. Que não entendo: o porquê de me sentir sempre assim.
Gosto tanto de mim.
Acho-me tão bonita. Invisivelmente neutra e naturalmente um furacão.
Gosto tanto de ler. De me escrever. De ouvir: as músicas que me fazem apaixonar, aquelas que me fazem sentir coisas que a sinestesia não me dá. De ver o mar. De parar o carro a meio da noite e ouvir o céu. Que gosto tanto de estar sozinha. E sonho tanto ter tanto mais tempo para ser eu sozinha. Que amo a minha própria cumplicidade. Numa incerteza que me destrói sobre o rumo que quero tomar da minha vida mas numa força e garra suficientes para continuar a lutar. A perguntar. A insistir. A saber que um dia serei mais completa. Que hoje já sou mais completa que antes. Que a luta reside em deixar crescer o que somos e o que queremos. Em deixar perceber verdadeiramente quais os nossos desejos. Quais as nossas ânsias. Quais os verdadeiros momentos que nos fazem ser plenos, calmos e repletos de energia. Essa energia que é tão calmante e ao mesmo tempo tão frenética e fugaz. Sei muitas vezes disto: Eu não sei o que sou, Mas sei o que quero. E é uma luta tão grande aguentar as feridas e os espasmos desse binómio. 

Falar do que não sabemos.

Tentar dormir e não adormecer. Tentar descansar mas tudo o que somos se espalha por completo na escuridão do quarto e dos olhos fechados. Tentar acalmar a euforia do dia-a-dia e descobrir que a guerra, afinal, está em nós.
Os porquês, os desejos, as ânsias,  aquilo que está mal, o que tem de ser curado, como e onde descobrir o quando.  


Hoje há festa no céu

 Hoje há banquete no céu, E os anjos batem palmas Rodopiando por entre as nuvens.   Hoje há banquete no céu, E a tua gargalhada ec...