sexta-feira, 21 de julho de 2017

Se fosses inteiramente viva

Se ao menos pudesse fazer-te real. Inteiramente viva. Preciso falar-te, solucionar-te, abraçar-te, criar-te, escrever-te, falar-te. Se ao menos pudesse resgatar-te de todos os anos que te roubaram de mim. Matar quem te matou. Incendiar a célula que rebentou contigo. Se ao menos a dor que me escorre conseguisse ser o suficiente para que o teu coração começasse a bombear. Se ao menos conseguisse matar esta saudade que me impede de viver tranquilamente, sem ti. Queria-te tão viva para cuidares de mim. Tão real para que nunca me sentisse sozinha. Tão minha para que nunca desistisse de ser de alguém. Se ao menos pudesses voltar a ser inteiramente viva. Do meu lado. Se ao menos a morte não fosse infinita e certa. Tão longa e rápida. Tão merecedora de ódio. Se ao menos a morte tivesse remédio. Se ao menos o remédio fosse a tua vida. Se ao menos fosse este amor suficiente capaz para te resgatar de um corpo que não é o teu. De um corpo morto que não faz jus à simplicidade ténue da tua beleza. De um corpo que não engloba os significados deslumbrantes de um sorriso que era o teu.  Se ao menos conseguisse encontrar os teus cabelos doirados outra vez. A tua pele rasgada pelo sol. Os teus conselhos vestidos de amor. Ai quem me dera ser dona da morte e obrigá-la a fazer-te vida. Quem me dera ser a vida que te ressuscitasse. O vampiro que te desse a vida eterna. Quem me dera que o meu coração não chorasse tanto a tua morte. Que a minha garganta não estremecesse tanto, que as minhas lágrimas não penetrassem cada vazio daquilo que sou. Por não te ter. Por desejar que fosses real. Minha. Inteiramente viva. Linda. Feliz. Se ao menos pudesses usar os teus vestidos outra vez. Se nos pudesses abraçar pelo menos mais uma vez. Se ao menos tudo não fosse um se e estivesses do nosso lado, inteiramente real. Se ao menos nunca tivesses partido e fosses inteiramente viva. Se ao menos pudéssemos ser senhores das dores que nos acodem a alma. Se ao menos eu nunca tivesse conhecido esta dor que arrebenta com tudo....

6 comentários:

  1. Usa o poder que deténs para grafar tamanha genialidade, para te firmar bem para além do arco-íris com mil e um sorrisos.

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  2. Fiquei de coração bem apertado! Sente-se tanto a falta em cada palavra, mas, ao mesmo tempo, também somos arrebatados por todo o amor que sobressai e que persiste para lá do tempo.
    Força!

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  3. Um texto extremamente bem escrito, pena ter tanta dor em cada palavra. Felizmente, ainda não atravessei nada parecido nem imagino o quão difícil é viver quando se perde uma vida. Há dores que nunca morrem, que vivem sempre em nós, teremos que talvez apreender a viver com elas. Beijinho e força!

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    1. Acho mesmo que só consigo aprender a lidar com isto com todas as palavras que consigo soltar. Obrigada pela força, um beijinho grande

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